segunda-feira, 26 de julho de 2010

PROLOGO

A expressão corporal no ciclismo
Ricardo Arap

Quando está bem treinado, o ciclista possui os glúteos fortes e magros, tem a cintura – bem como o corpo – afinada, desenhada sob a roupa justa da modelagem que requer para o ciclismo

Algumas pessoas perguntam como conseguimos identificar aqueles ciclistas que passam à nossa frente. Isso é possível pela cor do capacete, pela bike e, em alguns casos, até pelo uniforme ou roupa que usam. O movimento no ato da pedalada e o posicionamento em cima da bicicleta também dizem muito sobre quem é quem e facilitam a identificação. É simples, faça um teste, assista a um desses filmes do Tour que temos disponíveis e veremos que nossos heróis têm muito disso. Sabemos de longe quem vem lá.

Conseguimos detectar também, por meio dessa comunicação visual verdadeira, vários outros sinais que são o tempo todo transmitidos. Quando está bem treinado, o ciclista possui os glúteos fortes e magros, tem a cintura – bem como o corpo – afinada, desenhada sob a roupa justa da modelagem que requer para o ciclismo.

Sua atitude em cima da bike quase sempre é harmoniosa, seja em uma pedalada lenta (sinal de quem está pronto a qualquer momento para ser testado), seja de maneira audaciosa (sempre comprando a brincadeira de um pequeno desafio entre os amigos). Chega e vai embora do treino girando em alta rotação, com as pernas soltas e preparadas, tem o domínio de todas as qualidades de alguém que está apto a exercer uma tarefa com capacidade e competência, dando-se ao luxo de encarar uma subida, ora com uma relação pesada e de pé (muitas vezes ainda conversando), ora girando suas pernas como as da hélice de um helicóptero na vertical.

Quer saber se ele sobe bem? Analise sua proporcionalidade com relação à altura e o peso. Quando encontrar um grandalhão, mas grandalhão mesmo, pedalando como uma moto, ritmado, em algum lugar plano, com uma velocidade destrutiva, acredite que isso possa estar acontecendo, pois os maiores passistas pela história do mundo do ciclismo sempre foram altos, fortes, já que a relação peso e potência neste caso em especial ficam ainda mais eficientes.

Quer saber pequenos detalhes?

Nos sete anos nos quais foi o campeão, foram pouquíssimas as vezes que Lance Armstrong enfrentou as subidas sem óculos. A maioria diria que o equipamento era usado por proteção e para controlar a luminosidade (o que é verdade), mas o fato é que, para mim e para grande parte dos seus concorrentes, sua expressão de dor ficava amenizada no camuflar das lentes e o mesmo super-homem, onipotente e imbatível, não parecia se diferenciar dos demais quando aparecia desmascarado, com a face repleta de tanto sofrimento.

Conseguimos detectar por meio de detalhes uma situação que demonstra e diferencia muito as pessoas, sejam elas pelas características pessoais – como a bicicleta invariavelmente limpa, lustrada e brilhante ou totalmente relaxada, suja, cansada.

A insegurança ou inexperiência também são medidas por meio da ação incondicional e involuntária de movimentar constantemente o guidão. Sua orientação ou não diante de situações de deslocamentos laterais e o modo como administra tudo isso (seu senso espacial) tornam-se imprevisíveis e até perigosos.

Uma das coisas que mais me impressionaram (além da sua simplicidade e carisma) no nosso campeão mundial de Ultraman, Alexandre Ribeiro, foi a pequena importância que dava a tudo que envolvia sua bike – não fosse a manutenção dos instrumentos essenciais. Sua vontade e capacidade para realizar as coisas que queria conquistar na época superavam qualquer grande tecnologia ou capricho, e daí ele ser tão desprendido de tudo? Conheço muitos outros vitoriosos que nos ensinam o peso certo que temos que dar para cada coisa.

O fato é que, exercendo os campeões suas estratégias ou considerando aqueles mais e aqueles menos preparados também, conseguimos perceber por meio de seus gestos uma energia e alegria imensa estampada no rosto de cada um que pedala, como efeito de uma causa que tem nome, corpo e alma: a bicicleta.

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